terça-feira, 28 de agosto de 2007

Há muito não falava, em determinadas épocas se esquecia de sua própria voz. Cumpria logo as suas obrigações para poder ficar sozinha sem que alguém a procurasse, vagava pelos cantos da sala de maneira imperceptível. Tinha mania de contar quantos passos dava de um lugar para outro, logo marcou toda a casa. Sempre adorou margaridas; colhia todos os dias um punhado e as colocava na janela. Passava tardes e tardes na janela.
Uma das suas poucas diversões era fazer bolas de sabão projetando-as para a rua, deixava sempre um copinho com sabão em uma escrivaninha ao lado da cama. O quarto se constituía assim: a cama era encostada na parede da porta, do lado esquerdo esquerdo ficava a escrivaninha, na parede à esquerda da cama estava a janela e, por fim, à frente da janela era colocada uma cadeira. Ninguém tinha consciência, mas nos últimos anos havia sempre um diário e uma caneta ao lado do copo com sabão; sua última anotação fôra: dói bem aqui - alguns meses antes do que chamavam enlouquecimento.
Pouco se sabe sobre ela, as pessoas costumavam não notar sua presença; às vezes um ou outro se surpreendia ao se deparar com ela ainda ali, soprando bolhas, mandando seus pensamentos pelo ar na falta de tinta para escrevê-los em papel.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

fico pensando na vida daquelas mulheres que foram criadas para o casamento, aquelas da pele bem branca e de traços mui finos, as mãos delicadas e macias de quem nunca pegou em nada salvo livros e teclas (?) de piano. eu não consigo deixar de pensar em como eu me encaixaria naquele estilo de vida, como seria minha fisionomia, minhas roupas, meus pensamentos, minha letra definida com a ponta da pena... de quem eu sentiria saudade? será que eu sentiria saudade? e meu marido, como seria? eu imagino que ele teria um cheiro suave de colônia e seria demasiado protetor, o imagino com uma barba rala e cabelo grisalho - acima de tudo eu o imagino rindo raramente. eu certamente teria uma biblioteca repleta de livros onde eu passaria horas a fio da minha vida, praticamente ela toda. meus filhos seriam estudiosos e inquietos ao mesmo tempo, o suficiente para também aprender com a vida. o cheiro seria um incenso bem suave percorrendo os longos e intermináveis corredores, sândalo ou cravo. antes eu pensava que morreria de tédio nessa rotina, agora me vejo encaixando em tudo perfeitamente bem, com um certo conforto. sinto que hoje eu renunciaria a tudo por esse conforto, esse horário do meu marido chegar em casa, o esquentar da cama ao anoitecer, a respiração profunda de whisky na minha nuca (todos os homens da minha vida tinham respiração de whisky); no fundo eu acho que preciso daquela certeza de quem não vai embora, mesmo que seja por um compromisso entre famílias; acredito que ao longo do tempo a gente se ilude e começa a achar que tudo isso é amor.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

eu queria ter aproveitado mais a minha avó. eu devia ter tido mais a minha avó para não ser tão carente hoje em dia, ou para ter aprendido a demonstrar. lembro de uma vez que fui atropelada na porta da minha casa depois de ir telefonar no orelhão da esquina a fim de bater aquele papo diário que a gente mantinha, eu não lembro exatamente das conversas; o que ficou daqueles telefonemas é a idéia de que eu não conseguia conversar com mais ninguém a não ser ela, eu ficava esperando o dia inteiro até o ponteiro do relógio marcar o horário em que eu desceria para me direcionar à esquina, direto para o orelhão.
acho que Caldas Novas sempre vai me lembrar aquelas nossas viagens com o porta-malas repleto de milhopãs, pães de forma, presunto e latinhas de coca-cola; ela sabia exatamente todas as coisas que eu gostava e a forma como eu gostava, minha mãe até hoje não sabe que eu não gosto de queijo. eu lembro do cheiro daquela casa, da cor das paredes, dos papéis na gaveta, da textura do baralho, das vozes, da sonolência ao me acompanhar pela madrugada.... acima de tudo eu lembro do amor, da atenção, do orgulho, do brilho nos olhos; será que um dia eu vou ser novamente a "garota dos olhos" de alguém? será que eu mereço novamente esse tipo de amor tão cuidadoso? a verdade é que eu acho que não sei mais ser cuidada, não sei mais pedir colo, não sei nem se me portarei bem ao recebê-lo; sinto que passei metade da minha vida atrás de carinho e atenção e outra metade dela correndo justamente disso.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

e se eu me agarrar aos seus cabelos? e se eu me jogar aos seus pés e dar meu corpo, meu cheiro, meus olhos, meu rim? e se eu te escrever cartas enromes com as minhas besteiras? e se eu tatuar meu corpo, ir morar na praia, ler Bukowski? e se eu pintar o cabelo, cortar, anelar? e se eu mudar minha altura, meu peso, minha cor? e se eu te ligar o dia todo? e se eu parar de ligar? e se eu projetar meus pensamentos numa tela em branco e você perceber que só tem você? e se eu aprender a dançar ritmos caribenhos? e se eu for um pouquinho mais inteligente? e se eu parar de beber cerveja, vodka, caipirinha? e se eu parar de ouvir reggae? e se eu apagar toda a minha agenda telefônica? e se eu comprar roupas novas? e se eu escrever um livro? e se eu pintar o céu de verde? e se eu ficar? e se eu for embora? será que você esquece ela? será que você lembra mais de mim?
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