quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Seqüência 3
Abrir a porta sem ruído, cuidado para que o metal da chave no metal da fechadura não grite agudo acordando os outros. Tira os sapatos, o corpo vacila, arrota, a mão vai roçando pela parede fria até o corrimão: dezenove degraus, anos de aprendizagem. Dentro do escuro, o retângulo mais claro da porta do banheiro. Acende a luz, mas não é necessário, luz cinza forte que vara as frestas. No espelho cabelos caindo, olhos inchados na cara branca, a culpa é deles que deixaram tudo torto assim ou é a gente mesmo que está envelhecendo sem achar outra coisa, hein, cara? Abrir o chuveiro, a água pinga gotas geladas contra os mosaicos do piso, harmonizando primeiro com as batidas do coração, depois com as contrações do estômago. Levanta a tampa cor-de-rosa da privada, num salto o estômago sobe até a garganta escura ardida de cigarros, de palavras, de cervejas. Apenas curva a parte superior do corpo, e vai caindo devagar, os braços enlaçando a louça colorida como se fosse o corpo de Sonia Braga, cabeça enfiada no vaso, dedo na garganta. Bem fundo — imaginar, imaginar—, bem fundo. Então vomita vomita vomita vomita vomita vomita vomita. Sete vezes, feito um ritual.
Amanhã tem mais.

Loucura, Chiclete e Som - Caio Fernando Abreu


*
o famoooooso "ritual-do-gorfo"

link para quem quiser ler na íntegra: http://semamorsoaloucura.blogspot.com/2007/07/loucura-chiclete-som.html

3 comentários:

BeTa DaYrElL disse...

nem sei qntas vezes jah fiz esse ritual viu...

BeTa DaYrElL disse...

é...

infelismente não foi dessa vez

de novo neh

=(

falto grana

- retrato em branco e preto - disse...

realmente todo um processo detalhadissimo rs..
e nos dias seguintes sempre tem mais ritual?! hehehe..

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